Equilíbrio

Em busca do equilíbrio...entre culturas,
filosofias e tradições, tão vincadamente
distintas... é necessário, todo o cuidado,
atenção e sensatez, para que "o conhecimento"
não nos transporte, para tempos passados
e sobretudo que a nossa mente não nos faça
querer viver no passado, que como a palavra
indica... "passou", não volta mais, é agora
que vivemos e como tal, teremos que olhar
para o Mundo e para Vida de uma forma
lúcida e equilibrada.
Peço aos praticantes de Budo Japonês, que

por ventura, leiam estas breves notas, que
as tomem apenas como ponto de referência
e não como "doutrina" de vida...

Obrigado.

Sensei Gomes da Costa


sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Zen e Budo

O Zen e o Budo


A sala de exercício onde se aprende a Arte do sabre,
tem desde longa data a designação de :" lugar do
despertar "(Dojo). A Arte do Sabre (Iai Do),
não consiste absolutamente nada em perseguir um
resultado exterior com um Sabre , mas sòmente,
a realizar qualquer coisa dentro de si próprio.
A descoberta, no mais profundo do Ser, da Essência
sem fundo e sem forma, é resultante de uma meditação
dirigida com método, segundo as vias próprias do Zen.
Será este o ponto em que se começa a sentir a
influência do Zen sobre a Arte do Sabre ? .

A Força e a Sabedoria

Como ser o mais forte? O mais potente? Como aclarar
o nosso espírito, guiar a nossa conduta e tornarmo-nos
sábios? Desde a Aurora da História, o ser humano
manifestou o desejo de se ultrapassar em força e em
sabedoria, aspirando a atingir a maior força e a mais
elevada sabedoria. Mas, de que forma ou meio,
poderemos tornarmo-nos fortes e sábios ao mesmo
tempo? No Japão, as pessoas tentam atingir este
objectivo através da prática do Budo, e pelo Zen.
Este ensinamente tradicional tem-se mantido, ainda
que o Budo Japonês actualmente tenda a ser dualista :
aprender a tornarmo-nos fortes, em vez de nos
tornarmos sábios. Forte e Sábio : o Zen ensina-nos
estas duas vias... numa só. Como sabeis, as
possibilidades do nosso corpo e do nosso espírito são
limitadas, é esse o ponto da nossa condição. A nossa
sabedoria também está limitada, pois somos apenas
homens. O homem não pode pretender ter a força
fisica do leão ; tão pouco pode pretender igualar a
sabedoria de Deus. E porque não? Não haverá uma
maneira ou Via que permita ao homem ultrapassar os
limites da sua humanidade? E passar para além dessa
fronteira? É para dar resposta a esta esperança
fundamental que o Budo produziu o princípio do "wasa".
Podemos definir o "wasa" como uma Arte, como
uma espécie de super-técnica transmitida de Mestre a
Discípulo, e que permitirá impor-se aos outros homens
e elevar-se acima deles. O wasa do Budo Japonês
remonta à época histórica dos samurai. É um poder
para além da força própria do indivíduo. O Zen, criou
uma super-técnica, que não sòmente dá a força física
e mental, mas ainda abre a Via da Sabedoria, a Via de
uma sabedoria similar aquela de Deus ou Buda. É o
"zazen" , um treino que consiste em sentar-se numa
posição tradicional, um treino a andar, a sentir-se de
pé, a respirar correctamente, uma atitude mental, um
estado de consciência " hishiryu ", uma educação
profunda e original.

A Nobre Luta do Guerreiro

O Budo é a Via do guerreiro; agrupa o conjunto das
Artes de Budo Japonês. O Budo aprofundou de
maneira directa as relações existentes entre a éctica,
a religião e a filosofia. A sua relação com o desporto
é muito recente. Os textos antigos que lhe são
consagrados dizem respeito essencialmente à cultura
mental e à reflexão sobre a natureza do "Eu " : Quem
sou Eu ? Em Japonês, Do significa a Via. Como
praticar essa Via? Qual é o método para a obter? Não
é sòmente a aprendizagem de uma técnica, um wasa
e ainda menos uma competição desportiva. O Budo
inclui Artes como o Kendo, o Judo, o Aikido, o Iaido,
etc . No entanto,o kanji "BU ", significa igualmente
parar, cessar a luta. Assim no Budo não se trata
sòmente de enfrentar, mas também de encontrar a
paz e a maestria de si próprio (auto-domínio).
Porque o Do é a Via, o método, o ensinamento para
compreender perfeitamente a natureza do seu
próprio espírito e do seu " EU ". É a Via de Buda,
o Butsu Do, que permite descobrir realmente a sua
própria natureza original, de se despertar do sono do
Ego adormecido (o nosso EU intrincado), e de atingir
a mais alta e a mais elevada das personalidades.
Na Ásia esta Via tornou-se a moral mais elevada e a
essência de todas as religiões e de todas as filosofias.
"O Ying e Yang " do Yi-King ou a "Existência é Nada "
de Lao Tseu, encontram aí as suas raízes. Que quer
isto dizer? Que se pode pôr de lado o seu corpo e o
seu espírito pessoal : atingir o espírito absoluto, o
Não-Ego. Harmonizar, fundir o Céu e a Terra: o
espírito interior deixa passar os pensamentos e as
emoções. É- se totalmente livre do meio ambiente.
O egoismo é abandonado. Tal é a fonte das religiões
e filosofias da Ásia. O Espírito e o Corpo, o interior e
o exterior, a substância e os fenómenos: estes pares
não são nem dualistas, nem opostos, mas formam
uma unidade sem separação. Uma mudança, seja ela
qual for, influencia sempre todas as acções, todas as
relações entre todasas existências. A satisfação ou
insatisfação de uma pessoa, influenciam todas as
outras pessoas. As nossas acções pessoais e as dos
outros estão em relação de "interdependência ".
A vossa felicidade deve ser a minha felicidade,e se
chorais, chorarei convosco.Quando estais triste,
preciso ficar triste, e quando estais feliz devo tambem
sê-lo . Tudo está ligado, tudo se osmose no Universo.
Não se pode separar a Parte do Todo : a
Interdependência rege a ordem Cósmica.Em cerca de
cinco mil anos de história oriental, a maior parte dos
sábios e filósofos concentraram-se sobre este espírito,
sobre esta Via, e transmitiram-na. O " Shin Jin Mei "
livro muito antigo, de origem chinesa, diz : " Shi Do
Bu Nan " ... a Via mais elevada não é difícil, mas não
deve haver escolha. Não deve haver nem gosto nem
desgosto. O San Do Kai diz também : " Há separação
como entre uma Montanha e um Rio.... se existirem
desilusões.... ". O Zen significa o esforço do homem
praticando a meditação, o zazen. O esforço para
atingir o domínio dos pensamentos sem
descriminação, a consciência para lá de todas as
categorias, englobando todas as expressões da
linguagem. Esta dimensão,pode ser atingida pela
prática do Zazen e do Budo.

Os Sete Princípios

A fusão do Budismo e do Shintoismo permitiu a
criação do Bushido, ou Via do Samurai. Pode-se
resumir essa Via por sete pontos essenciais :

1 = Gi : a decisão justa em qualquer circunstância ;
atitude justa, a verdade.
2 = Yu : a bravura próxima do heroísmo.
3 = Jin : o amor universal, a boa vontade em relação
á humanidade.
4 = Rei : o comportamento justo que é um ponto
fundamental.
5 = Makoto : a sinceridade total.
6 = Meikyo : a honra e a glória.
7 = Chugi : a devoção e a lealdade.

São estes os sete princípios do espírito do Bushido.
BU = artes da guerra;SHI = o guerreiro;DO = a Via.
A Via do Samurai é imperativa e absoluta. A prática
vem do corpo através do inconsciente e isso é
fundamental. Daí a importância dada à educação do
comportamento justo. As influências entre o Bushido
e o Budismo foram recíprocas. Mas o Budismo
marcou o Bushido em cinco aspectos :

1 = O apaziguar dos sentimentos.
2 = A obediência tranquila face ao inevitável.
3 = A maestria de si próprio na presença de qualquer
acontecimento.
4 = Uma intimidade maior com a ideia da morte do que
com a ideia da vida.
5 = A pura pobreza.

Antes da segunda guerra Mundial, o Mestre de Zen
Kodo Sawaki dava conferências aos maiores
Mestres de Artes de Budo, às mais altas autoridades
do Budo. No Ocidente confundimos Artes de Budo
com Artes de Guerra ; mas em japonês é a Via. No
Ocidente estas Artes Marciais tão em voga,
tornaram-se um desporto, uma técnica sem o espírito
da Via. Nas suas conferências, Kodo Sawaki dizia
que o Zen e as Artes de Budo têem o mesmo gosto e
são uma unidade. No Zen como nas Artes de Budo, o
treino conta muito. Quanto tempo devemos treinar?
Muitos perguntam: " Durante quantos anos devo
treinar Zazen?” a resposta é: " Até à morte ".
A resposta não agrada na maior parte dos casos.
Os Ocidentais querem aprender ràpidamente, alguns
mesmo, num só dia.... " Vim uma vez e compreendi ".
Mas o Dojo não é como a Universidade. Também no
Budo é necessário continuar até à morte.

As Três Etapas

Primeira etapa : um período de prática em
que a vontade e a consciência são necessárias no
início. No Budo, como no Zen, este período dura mais
ou menos de três a cinco anos e antigamente mais de
dez anos. Durante esses dez anos, era necessário
continuar a prática do Zazen com a nossa vontade.
Mas acontecia que entre os três e os cinco anos de
verdadeira prática o Mestre concedia o Shiho
(transmissão).Nessa época era necessário viver num
templo e seguir alguns Seshin (períodos de vários
dias ou até semanas). Hoje em dia, no Japão actual,
o Shiho é apenas transmitido de pai para filho e é
apenas uma espécie de formalidade. Por isso o
verdadeiro Zazen diminuiu e já quase não existem
verdadeiros Mestres no Japão. Antigamente era
necessário passar pelo menos três anos nos Templos
de Eiheiji e Sojiji, para que se pudesse receber a
ordenação ( sacerdócio ). Hoje em dia basta um
ano ou apenas três meses e até apenas um Seshin
para ser ordenado Monge. Quem é Mestre na nossa
época ? Esta questão é muito importante. Quem é o
vosso Mestre? A maior parte dos monges japoneses
responderão a esta questão:" É o meu pai ". De facto,
apenas os discípulos de Mestres como Kodo Sawaki
são verdadeiros Mestres ; pois seguem os
ensinamentos dos seus Mestres durante dezenas e
dezenas de anos. O Dojo do Mestre Kodo Sawaki não
era como aquele de Eiheiji ; era sem formalismo.
Kodo Sawaki dizia sempre : " o meu Dojo é um Dojo
ambulante ". Ele ia de templo em templo, de escola
a universidade, á fábrica e até às prisões. O seu
ensino colava-se à vida. No Zen como no Budo,
o primeiro período, Shojin, é portanto o período de
treino pela vontade e o esforço consciente.
A segunda etapa é aquela do tempo de concentração
sem consciência depois do Shiho.O discípulo está em
paz. Ele pode tornar-se realmente o assistente do
Mestre. Posteriormente ele poderá tornar-se Mestre e
por sua vez ensinar a outros.
Durante o terceiro período, o espírito atinge a
verdadeira liberdade. " Ao espírito livre, universo livre ".
Após a morte do Mestre, tornamo-nos Mestres
completos. Mas evidentemente, não se deve esperar
nem desejar a morte do Mestre, pensando na nossa
libertação. Estes três períodos são idênticos tanto no
Zen como no Budo.
.

....

Sem comentários: