Equilíbrio

Em busca do equilíbrio...entre culturas,
filosofias e tradições, tão vincadamente
distintas... é necessário, todo o cuidado,
atenção e sensatez, para que "o conhecimento"
não nos transporte, para tempos passados
e sobretudo que a nossa mente não nos faça
querer viver no passado, que como a palavra
indica... "passou", não volta mais, é agora
que vivemos e como tal, teremos que olhar
para o Mundo e para Vida de uma forma
lúcida e equilibrada.
Peço aos praticantes de Budo Japonês, que

por ventura, leiam estas breves notas, que
as tomem apenas como ponto de referência
e não como "doutrina" de vida...

Obrigado.

Sensei Gomes da Costa


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Budo


Estas notas rudimentares, foram acumuladas ao longo da
minha estadia no Japão de 70/73, com a intensão de
servirem um dia, como parte do material a ser publicado por
volta do ano..........? Elas refletem um apanhado de conversações
mantidas, num ambiente bastante sério e sinceramente
interessado no estudo profundo do Budo, com alguns Mestres
das diversas Artes mas sobretudo com Don Draeger, talvez o
mais sério Budoka Ocidental, que durante 25 anos fixou residência
em Singapura, onde fundou a revista "Martial Arts International",da
qual eu próprio fui correspondente. O mundo de sensações que
estas notas apenas afloram, foi-me transmitido pelo convívio, com
o Mtr. Hayabuchi 9º Dan de Iai-Do, Monumento Nacional do Japão pelo
seu domínio nas Artes do Kembu, Sho Do e Kabuki, faleceu em 1998...
e cuja memória e espírito me acompanharão para o resto dos
meus dias." Estas notas são como a rota traçada num pequeno mapa
dos Oceanos, têm pois uma dimensão diminuta quando comparadas
com a dimensão real do Mundo do Budo..."

" Há duas montanhas....onde há luz e sabedoria,
a montanha da Natureza....e a montanha dos Deuses,
entre elas estende-se... o sombrio vale dos homens.
Quando uma vez, um deles... olha para o cimo,
sente um presságio,... uma nostalgia inextinguível,
ele, que sabe... que não sabe,
por aqueles, que não sabem... que nada sabem...
e por aqueles, que sabem... que tudo sabem...."

Budo

Os Mestres ( autênticos ) ensinaram sempre que o homem
não vive, nem no passado, nem no futuro, vive sim neste
momento...( aqui e agora )
BUDO = Via do guerreiro (engloba as diversas A.M.), associa

ìntimamente o espírito e o corpo numa transformação ou
mutação total.
Não se pode praticar o Budo por diversão ou passatempo.
Não podemos aproximar o BUDO de animo leve, é uma
decisão séria. Uma vez que os nossos pés tocam a
superfície do Dojo estamos cometidos para sempre.
Os Ocidentais têem necessidade de compreender e de

analizar com um espírito crítico e tirar conclusões.
Qualidades que se tornam ràpidamente impedimentos
enormes, se mantivermos esta atitude.
Uma pessoa agitada e muito ocupada não pode entender

ou escutar o "silêncio". Não aprendemos se imaginamos
que uma qualquer disciplina é,"em si", a finalidade de
todas as coisas.
Se opusermos o corpo ao espírito, a técnica ao espiritual, se
acreditarmos que poderemos guardar para nós , tudo o que nos foi
dado: "uma ideia recebida, será um muro diante do horizonte".Todo
o ensinamento presupõe etapas (níveis), mas não é para"chegar
"a qualquer" fim". O objectivo é atingir esse momento onde a mudança
se opéra, onde o movimento gera movimento, onde o homem se torna
o seu próprio Mestre. Por isso o ensino tradicional põe a importância
na "prática", evitando as explicações verbais, por razões que são

óbvias... (palavras são obstáculos ).
Que é que significa a procura a todo o custo da eficácia? Tais debates
que opõem o branco ao preto, esquecem que o corpo é um debate, que
não poderemos falar de eficácia real sem um domínio total do corpo e
do espírito. Desde que realizemos este domínio, por pouco que seja,
o homem apercebe-se por si próprio, qual é o sentido do "caminho" e
da "procura". Toda e qualquer discussão torna-se superfula. Os mitos
modernos dos Super-Homens, dos Invencíveis, são um convite
perigoso a esticar o arco da energia até ao ponto em que a corda parte,
momento em que o homem "implode" totalmente. Mesmo se tais
Homens se tornam, ídolos comerciais, que são impostos à admiração
do público, eles continuarão a ser desarticulados, animados de
energias e poderes factícidas, que por não terem sido realmente
assimilados se voltarão fatalmente contra si próprios...
A "energia" é... o que nós fizermos dela. Ela pode tornar-se fonte de
vida ou fonte de morte, de criação ou de destruição . Não existe

uma sabedoria particular nos Budo , mas os Budo não escapam à
sabedoria universal, cuja finalidade não é nem a retração nem a
dissecação do "Ser", mas sim a plenitude e a harmonia. "Ser",
é neste sentido conhecer e conhecer é juntar energia à energia,
vida à vida, amor ao amor.Esta é a "Via Universal". Todos os que
verdadeiramente buscam "o caminho" dão-se conta de que o
verdadeiro ensinamento é : a prática "dura" ( aquela que é a
aprendizagem das técnicas essenciais ), deve aliar-se com a
prática "suave", como o movimento deve ser a expressão do
"folego". Desde que a prática seja unilateral, haverá blocagem
e mais tarde ou mais cedo... o "acidente de percurso"

(desvio da direcção mais certa....)
Os Budo exprimem a vida, é por isso que muitos Mestres
adaptam os ensinamentos recebidos e criam novas sinteses
pessoais. Uma tal sintese conduz frequentemente a "apurar",
"clarificar" e "simplificar" o "núcleo" fundamental e não juntar
novas técnicas a outras técnicas. Se muitos Mestres praticam
disciplinas diferentes ( sabre, judo, karate, bo, tiro ao arco,etc..),
é porque eles estarão fascinados em encontrar nos diferentes
Budo , os mesmos princípios fundamentais. A grande árvore
da tradição possue um tronco e raízes imutáveis, mas os ramos
exprimem ao mesmo tempo a Vida e o "Tornar".
A emanação de todas as realidades ( o famoso aqui e agora )
integra-se com respeito e veneração profunda nas leis Universais.
Quando o sentimento do sagrado nasce, não é nada de raro ou de
místico, é um facto quotidiano, um olhar que engloba o particular
dentro de um "todo". Um tal sentimento nasce da participação do
"ser" todo inteiro, nesta realidade Universal com a qual ele se
sente em harmonia profunda. Esta hamonia não é outra coisa que
a vida ela mesma. A vida integra-se no "tornar", que exprime a lei
da alternância e também a vibração do contínuo e do descontínuo.
O raciocínio dialético, o mecânico, o quantitativo... tudo o que é
emanação da cultura Ocidental moderna, rompe o " tornar " natural
das coisas, quebra a ordem expontânea.
Sistemas conceituais e abstratos substituem-se a esta ordem.
A regra, o " jogo " implícito da vida não têm mais lugar, a suave
hierarquia está ausente ( e por este facto ) produz-se uma
contra-natureza de onde só resultam conflitos. É significativo ver
quanto a ideia de " jogo", quer dizer, aprendizagem das coisas
por elas próprias, que existe nos Budo. O costume ( que todos os
Grandes Mestres de Musashi a Ueshiba praticaram ) de andar de
escola em escola, e defrontar adversários, para medir a sua
eficiência, este costume só tem um tempo. O que é que advem
quando o Mestre constata que é o mais forte? Ele abandona a luta,
as competições e procura saber mais. A meditação ( abstinência )
e o retiro, substituem, muitas vezes durante vários anos, os
combates. E por vezes produz-se a " iluminação " : que quer dizer
a percepção, no cume do esforço voluntário de uma não-vontade
ainda maior e mais eficaz, mas que, desta vez, não procura a cortar
o inimigo, pois já não há adversário," O outro tornou-se o Si-Próprio ".
A realidade não é senão um jogo de espelhos refletindo exactamente
o que aí mostramos.A " Iluminação dos Mestres " é a expressão,
desta vez, de uma visão de totalidade. Experiência fundamental,
apagando todas as oposições, a interpenetração de todas as coisas,
o movimento indescrítivel do "tornar", a instituição de um
espaço-tempo intemporal, o deslizar imperceptível de energias
que são ao mesmo tempo: luz, vibrações e sons, tudo isso
traduzindo uma força de vida tão potente e súbita, que só a palavra
Amor no seu sentido mais absoluto, lhe pode responder.
Os Orientais pouco inclinados a falar mesmo das coisas mais
simples, guardam profundos segredos de tais experiências,
e precisamente no Japão , há todo um domínio secreto dos Budo,
e numerosos Mestres que refugiados na Montanha, prosseguem
o seu retiro solitário.

.
......

1 comentário:

sara disse...

"Não podemos aproximar
o BUDO de animo leve, é uma decisão séria. Uma vez que os nossos pés
tocam a superfície do Dojo estamos cometidos para sempre."

ISTO SENTI EU A PRIMEIRA VEZ QUE ENTREI NO DOJO...E SINTO SEMPRE ISSO AO PASSAR A PORTA. QUANDO ESTOU LARGAS TEMPORADAS SEM PEGAR NO IAITO E DEPOIS VOLTO A TREINAR, QUANDO PISO O SOALHO DE MADEIRA, DÁ-ME VONTADE DE CHORAR...CHORAR DE VERGONHA PELA MINHA NEGLIGÊNCIA PARA COM O IAI, CHORAR DE ALEGRIA PORQUE NOS TREINOS ESTÁ UM POUCO DA MINHA FELICIDADE.

AS ARTES MARCIAIS CHEGARAM NUMA FASE DE MUDANÇA DA MINHA VIDA. O KARATE VEIO NUMA FASE DE CONSTATAÇÃO E ACEITAÇÃO. O IAIDO VEIO NUM MOMENTO DE TRAGÉDIA, EM QUE SE TORNOU CLARO QUE NÃO SE DEVE FAZER PLANOS VIVENCIAIS, POIS AQUILO QUE SE TOMA POR GARANTIDO FOGE NUM SEGUNDO.

O KARATE É MUITO IMPORTANTE PARA MIM PORQUE FOI A PORTA PARA O BUDO...O IAIDO É O MEU LONGO CAMINHO A PERCORRER. AO LONGO DESTES DOIS ANOS DO MEU CONTACTO COM O IAIDO APRENDI MUITA COISA, MAS O QUE EU TIRO DE MAIS IMPORTANTE PARA A MINHA VIDA É, SEM DÚVIDA, A INDEPENDÊNCIA DE PENSAMENTO. PENSAR POR MIM, REFLECTIR EM SILÊNCIO, ACTUAR SEGUNDO A MINHA PRÓPRIA CONSCIÊNCIA.

TENHO DOIS GRANDES MESTRES NA MINHA VIDA. SÃO OS DOIS MUITO PARECIDOS...TÊM A MESMA IDADE, AMBOS VIAJARAM PELO MUNDO E AMBOS ENSINAM A SUA ARTE DE ACORDO COM A SUA EXPERIÊNCIA E A SUA INDEPENDÊNCIA. OS DOIS SÃO LIVRES PENSADORES, OS DOIS GOSTAM QUE SE LHES TENHA RESPEITO, MAS DETESTAM A ADULAÇÃO E A SABUJICE. UM ENSINA-ME LITERATURA, O OUTRO IAIDO.NUNCA FUI UMA ALUNA BRILHANTE A NADA...NO ENTANTO, A MINHA FIDELIDADE PARA COM UM SÓ CAMINHO CONSEGUIU LEVAR-ME ONDE MUITOS, E MELHORES DO QUE EU, NÃO CONSEGUIRAM CHEGAR. MANTENHO-ME PERTO DOS MEUS MESTRES PORQUE SEI QUE, MESMO EU SENDO MEDÍOCRE, ELES TERÃO SEMPRE UMA PALAVRA PARA MIM E EU SABEREI OUVÍ-LOS. O MEU CAMINHO NO BUDO, TAL COMO NA LITERATURA, TEM A VER COM COMPROMISSO E COM FIDELIDADE.

O "DO" É PARA SEMPRE, SEJA PELA ESPADA, SEJA PELA MÃO VAZIA.